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Conheça Medeia através do KPOP

  

Jizô na floresta
Do clássico grego ao pop coreano!

Uma deusa, uma louca, uma feiticeira, a figura de  Medeia  é realmente demais! E entenda aqui dois sentidos para a palavra "demais":

   uma mulher que se destaca e fascina, como na letra da música de Rick & Renner;

   e uma mulher que é muito (demasiada), à beira do exagero, que ninguém consegue controlar (ama demais, odeia mais ainda; sua presença e ações são extremas — e dialogam com o perigo). 

A "Medeia", escrita por Eurípides, possui várias facetas e no post de hoje vou explorar algumas delas! Faremos uma viagem por diferentes músicas de Kpop, associando-as às transformações de Medeia ao longo da tragédia grega. Por quê? Porque sou louca e adoro kpop 🤭

Brincadeira. A grande verdade é que a complexidade de Medeia não pode ficar limitada ao texto dramático ou aos artigos acadêmicos. Embora as músicas não tenham sido feitas pensando na personagem (creio eu), as figuras femininas representadas nas canções dialogam com os esteriótipos dessa mulher — poderosa, sentimental, extrema, que consegue o que quer.

   Vamos às músicas?


Mito anterior
Medeia era filha do rei de Cólquida e neta do deus-sol Helios; tinha fama de feiticeira por realizar "magias"/fármacos. Através de seus poderes ajudou Jasão a conquistar o Velocino de Ouro, um artefato poderoso. Dizem que Afrodite (ou seu filho Eros) fez com que a Medeia se apaixonasse perdidamente por Jasão, sem ter medo das consequências (como as futuras fugas e assassinatos). Pensando nesse início conturbado do relacionamento deles, que é anterior ao livro de Eurípides, escolhi a música "Autopilot", do grupo Purple Kiss. A letra conversa com essa ideia da mulher que tudo enfrenta e faz pelo amado, que é impulsiva e sempre segue em frente; pode ser um monstro (mesmo que Medeia não se enxergue assim, mas sua feitiçaria e ações a apresentam como um para a sociedade): "Me sinto como um monstro / Ninguém pode parar / Mesmo que eu me machuque sem medo / Eu nunca mudo de ideia / Como piloto automático, piloto automático".


A solidão de Medeia
A obra de Eurípides se inicia pela exposição da traição de Jasão. Medeia aparece cheia de raiva contudo, em sua sede de vingança, também manifesta o sofrimento por ser abandonada e não ter para onde ir: "[...]sem urbe, rebaixada por Jasão,  / sem mãe, sem um parente, sem... que a âncora / soerga longe deste pesadelo!” (255). Pensando nisso escolhi "Alone", do grupo SISTAR, que traz a figura de uma mulher que foi enganada pelo companheiro e agora está sozinha "Me deixei enganar por suas doces palavras / Sozinha agora, estou caindo, estou caindo[...]". Esse sentimento de solidão e falta de perspectiva é ainda mais profundo em Medeia, uma vez que a personagem nem pode fugir para o consolo da casa paterna.


Diálogo com Creon
Quando Creon expulsa Medeia de Corinto, ela precisa assumir uma postura mais submissa e suplicante para falar com o rei, garantindo sua permanência por mais um dia na região. Seu discurso possui alguns versos assim: "há quem me louve a fleugma, há quem critique, / desdém também. Te atemorizo? Longe / de mim ser dono de um saber assim.” (300); o que conversam bastante com a música "Scream", do grupo Dreamcatcher. Na canção o eu lírico está sendo julgado e machucado, contudo permanece respirando (lutando pela sobrevivência): "Minhas mãos amarradas estão ficando dormentes / Todos estão jogando pedras em mim / Mas eu não posso fugir". Medeia está numa posição frágil e desvantajosa, mas, mesmo assim, consegue encontrar uma forma de manipular Creon.


A ameaça à Jasão
Após a descoberta da traição e de ser expulsa de Corinto, o primeiro encontro de Medeia com o esposo Jasão não é nada amigável. Ele argumenta que o casamento com a filha de Creon é uma maneira de trazer fortuna para a família que possui com Medeia, porém a personagem discorda: "Repugna-me a morada de teus hóspedes, / tanto quanto a oferta monetária, / pois o prêmio do pulha não tem préstimo. " (600-625). O repúdio e a promessa de vingança presentes nos versos de Medeia dialogam com "Don't touch me", da artista Ailee; na música a figura feminina sofreu por um relacionamento e não quer nem que o outro lhe toque, pois sente nojo, prometendo ao final: "Você vai se arrepender por ter me perdido / Largue a minha mão, não quero lhe ver".


Diálogo com Egeu e revelação da vingança para o coro
Egeu é quem propicia para Medeia uma esperança: um abrigo para fugir após a conclusão de sua vingança. Logo após se despedir do rei de Atenas, toda sua postura de pobre coitada se modifica. Agora ela revela ao coro passo a passo de seus futuros atos nefastos. Escolhi a música "Antifragile", do grupo Le Sserafim, uma vez que a letra apresenta uma figura cheia de inimigos esperando sua queda, contudo não se permite ser uma marionete controlada por fios: "Ande digna como um leão / Olhar cheio de desejo / Despeje mais gasolina no fogo / Do caminho de chamas vou ressurgir voando". Medeia não fugiu com medo de Creon, a questão do (leão) orgulho é que influencia grande parte de suas ações e, de certa forma, ela termina a peça triunfante "voando" (na carruagem de seu avô Sol).


Quando Medeia chama Jasão
Para que a vingança de Medeia se concretize, ela precisa que Jasão a enxergue com uma figura amiga, compreensível à traição do marido (o erro transformado em algo benéfico para a família). Para esse diálogo entre o casal escolhi a música "Breathe (한숨)", da solista Lee Hi. A canção fala sobre como todo mundo erra e apresenta um eu lírico que consola alguém que trabalhou duro, mas falhou; mesmo o eu lírico não entendendo a profundidade disso, vai apoiar o outro. Esse sentimento se assemelha ao reconhecimento que Medeia faz do esforço de Jasão para prover para a família. Embora na tragédia a personagem estivesse manipulando o marido, seu discurso ainda dialoga com a ideia de apoio presente na música coreana: “[...] Me apercebo do quanto te preocupas / em nos propiciar parentes nobres. / Errei ao me excluir do plano, ao não / colaborar, ao não servir a noiva, / sorrindo à beira-leito.” (870-915).


A vingança
Quando o mensageiro vem avisar Medeia sobre o desfecho da princesa e de Creon, a personagem diz: "[...] o fim funesto aviva-me o prazer." (1125-1230). Ela está feliz com o caminho de sua vingança, pois tira de Jasão a possibilidade de felicidade futura. De um princípe e herói, ele se torna uma criatura impotente diante de Medeia. A música "I'll make you cry", do grupo Aespa, conversa bem com esse início da vingança: "Pensa que pode sair da minha vida desse jeito [...] Quem lhe salvará? Ninguém pode / Eu sorrio ao te ver sozinho” ; ainda há o trecho "Não espere misericórdia de mim / Eu farei você chorar", que podemos associar ao próximo passo de Medeia: o assassinato de seus filhos (mordida essa que considera a mais ferina contra o esposo).



                                                      

Gostou de conhecer as transformações de Medeia através de diferentes músicas de Kpop? Optei por girlgroups e artistas solo para darem voz à história da personagem, pois na tragédia o coro que acompanha Medeia — a conforta e censura  é formado por mulheres de Corinto.

Deseja saber mais detalhes da história de "Medeia", escrita por Eurípides? Coloquei no nosso canal um resumo do livro ⤵️



   Achou que o post terminaria assim? Pois eu trouxe uma música bônus: o que Medeia diria após completar sua vingança? Acredito que seja algo assim...

Música bônus
Em seu último diálogo com Jasão, Medeia demonstra sua posição triunfante perante o marido. Isso se evidencia por mais de um fator:  primeiro a conclusão de sua vingança, com a morte dos filhos e desolação do pai; segundo pelo local em que ela se encontra, acima dele, na carruagem providenciada pelo avô. Embora ela sinta dor pelas crianças, o fato de Jasão sofrer mais ameniza isso. É como se Medeia saísse vitoriosa, o que me fez pensar na música "How You Like That", do famoso grupo Blackpink. Imagine Medeia na carruagem, olhando de cima para um impotente Jasão, talvez ela dissesse como na canção: "Olhe para você, agora olhe pra mim / Olhe para você, agora olhe pra mim / [...] Karma venha e aproveite / Me sinto mal, mas não posso fazer nada / [...] O dia em que caí sem minhas asas / Aqueles dias sombrios que estava presa / Você deveria ter acabado comigo quando tinha a chance."




Algumas de nossas fontes:

 Versos da obra 
EURÍPIDES. Medeia. Tradução: Trajano Vieira. São Paulo: Editora 34, 2010. Disponível em: <https://geha.paginas.ufsc.br/files/2016/03/MEDEIA.pdf>

 Traduções das músicas 
Genius | Song Lyrics & Knowledge. Disponível em: <https://genius.com/>
LETRAS.MUS.BR - Letras de músicas. Disponível em: <https://www.letras.mus.br/>

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