Retrato
Eu não tinha este rosto de hoje,
Assim calmo, assim triste, assim magro,
Nem estes olhos tão vazios,
Nem o lábio amargo.
Eu não tinha estas mãos sem força,
Tão paradas e frias e mortas;
Eu não tinha este coração
Que nem se mostra.
Eu não dei por esta mudança,
Tão simples, tão certa, tão fácil:
- Em que espelho ficou perdida
A minha face?
Nem estes olhos tão vazios,
Nem o lábio amargo.
Eu não tinha estas mãos sem força,
Tão paradas e frias e mortas;
Eu não tinha este coração
Que nem se mostra.
Eu não dei por esta mudança,
Tão simples, tão certa, tão fácil:
- Em que espelho ficou perdida
A minha face?
- Cecília Meireles
Interpretando o Texto:
No poema de Meireles há a reflexão do eu lírico a respeito das transformações - físicas e identitárias - ocorridas ao longo de sua vida. Sobre a escolha do título, podemos fazer duas observações: ao mesmo tempo que os versos compõem a atual imagem do eu lírico, a ideia de transitoriedade temporal presente no texto se opõe a uma obra imutável (como o objeto retrato).
> Abaixo serão exploradas, mais detalhadamente, cada uma das estrofes:
Primeira estrofe: O eu lírico observa as mudanças que sofreu com a passagem do tempo. Os
adjetivos magro e vazios sugerem ausência, uma perda de si próprio. O rosto calmo é uma metáfora para sua quietação perante a vida. Sua melhor versão está no passado, época em que foi feliz.
Segunda estrofe: As "mãos sem força" podem indicar tanto a velhice quanto o fato de não ser mais capaz de lutar (antes o eu lírico foi uma pessoa de ação, hoje não possui mais força) - o que completaria o sentido do rosto na estrofe anterior.
Aqui o coração já está se igualando às mãos: talvez a vida tenha sido cheia de mágoas, assim que o coração precisou de proteção, por isso hoje "nem se mostra". Os sentimentos não regem mais. Tudo ficou frio, não há o calor provocado pelas emoções (pois estas também não existem).
Terceira estrofe: As mudanças são naturais à vida, pensamento corroborado pela atribuição dos adjetivos - simples, certa e fácil - à mudança. Entretanto, a escolha dessas três palavras também sugere que os caminhos trilhados pelo eu lírico só poderiam levá-lo a seu atual desfecho. Parece que ele se acomodou com o tempo e, nesse seu comodismo, não percebeu as transformações ocorridas, a tal ponto que se interroga: "Em que espelho ficou perdida / A minha face?".
Segunda estrofe: As "mãos sem força" podem indicar tanto a velhice quanto o fato de não ser mais capaz de lutar (antes o eu lírico foi uma pessoa de ação, hoje não possui mais força) - o que completaria o sentido do rosto na estrofe anterior.
Aqui o coração já está se igualando às mãos: talvez a vida tenha sido cheia de mágoas, assim que o coração precisou de proteção, por isso hoje "nem se mostra". Os sentimentos não regem mais. Tudo ficou frio, não há o calor provocado pelas emoções (pois estas também não existem).
Terceira estrofe: As mudanças são naturais à vida, pensamento corroborado pela atribuição dos adjetivos - simples, certa e fácil - à mudança. Entretanto, a escolha dessas três palavras também sugere que os caminhos trilhados pelo eu lírico só poderiam levá-lo a seu atual desfecho. Parece que ele se acomodou com o tempo e, nesse seu comodismo, não percebeu as transformações ocorridas, a tal ponto que se interroga: "Em que espelho ficou perdida / A minha face?".
> No poema, face faz referência ao aspecto físico do eu lírico, bem como à perda de sua identidade, que causa o estranhamento e a dificuldade em se reconhecer. Nos dois últimos versos, o verdadeiro questionamento é sobre em que momento ele perdeu sua essência, seu vigor, sua força de vontade.
A introdução das estrofes com as orações "Eu não tinha" e "Eu não dei", denotam um certo arrependimento do eu lírico pelo que fez ou deixou de fazer durante os anos. Outro ponto a destacar é a brevidade sonora apresentada no segundo, sexto e décimo versos, onde lemos, respectivamente, "Assim calmo, assim triste, assim magro", "Tão paradas e frias e mortas" e "Tão simples, tão certa, tão fácil". As palavras são jogadas de forma tão abrupta que parecem demonstrar a dureza da vida.
Leitura do Poema:
Cecília Benevides de Carvalho Meireles (Rio Comprido, RJ, 1901 - Rio de Janeiro, RJ, 1964) foi criada pela avó materna desde os três anos de idade. Em 1917 formou-se professora, dedicando-se ao magistério primário. Antes de se envolver com o modernismo, participou do grupo neo-simbolista da revista Festa. Em 1919 publicou seu primeiro livro, Espectros. A partir dos anos 30 passou a lecionar Literatura Luso-Brasileira na Universidade do Distrito Federal.
*Dê uma olhada também em: FUKS, Rebeca. Análise do poema Retrato, de Cecília Meireles. Disponível em: <https://www.culturagenial.com/analise-poema-retrato-cecilia-meireles/>
Cecília Meireles. Disponível em: <http://www.nilc.icmc.usp.br/nilc/literatura/cec.liameireles.htm>
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