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Conto autoral: "(des)abrochar"

 

Finalmente a última pétala se alinhou. Agora seu desabrochar estava completo. A rosa acariciou a nova roupagem de tom bem vivo que a recém primavera lhe trouxe. Era hora de mostrar a todos o quão linda voltara das férias, mas onde estava o sol? Já devia ser meio-dia e nada dos raios calorosos que sempre amara.

Olhou para cima, brava. Havia tantas pétalas amarelas cobrindo o céu sob sua cabeça que parecia possuir um guarda-chuva. Chamou o novo vizinho: uma, duas, três vezes, mas nada adiantou. Podia ouvir o burburinho de suas irmãs, caçoando de sua falta de sorte, mas quem diz que a Rosa Rosilda Rosarez, a flor mais bela do jardim da rua 24, ia desistir de seu lugar ao sol.

Respirou bem fundo, bem mais do que quando o velho homem vem podar os seus galhinhos. Se render? Jamais! Como não podia admirar o céu, encarou o jardim, bolando estratégias para abordar a alta planta ao seu lado. Metida, só por ser grandona. Mas qual era sua espécie? Ela havia visto passar por ali: crisântemos, tomates, margaridas, dentes de leão e algumas ervas daninhas. Percebeu que não se tratava de um único vizinho, era toda uma carreira de ... girassóis!!

Onde aprendeu esse nome? Quem sabe... a verdade é que toda uma família de grandes girassóis estava plantada ao seu lado, alguns ultrapassando o que a pequena rosa considerava ser seu espaço pessoal. Adoradores do sol, como podem ser tão patéticos e ficarem o seguindo por aí? Não passam de hortênsias atrás de um holofote! Decidiu virar para o outro lado e esperar mais perto do entardecer para falar com seu novo “colega”, quando então ele fosse capaz de ouvir.

Mal viu a face da nova flor e se apaixonou. Em todo roseiral só se falava da beleza do jovem ao seu lado. Aquele longo caule, aquelas macias e brilhantes pétalas, o olhar misterioso e fiel voltado ao seu ídolo astral. Como se pudesse ficar mais vermelha, a rosa enrubesceu com um único contato visual. Tão rápido que mal dá para saber se realmente aconteceu, o olhar diferente do girassol fez o coração da rosa finalmente bater mais rápido.

Ódio? O que era isso? Nada ruim existia quando se tratava do recente companheiro de jardim. Chamava Tornado Ferrugem Jr., como se apresentou à noite, antes de dormir. Chegou ali no dia anterior. Sua voz era de um rouco gostoso que fez a rosa esquecer a reclamação que queria fazer, afinal, era só acordar mais cedo e pegar o sol antes do meio-dia, antes do amigo fazer sombra. Não deu tempo de comentar, o girassol já havia pegado no sono.

Abriu os olhinhos cedo na manhã seguinte. Ver o vizinho trabalhando era seu novo passatempo, gostava até mais do que polir seus adorados e orgulhosos espinhos. Ele é o guarda costa do sol. Tão másculo e romântico! Esperava o começo do entardecer, quando se esticava ao máximo para ver o rosto concentrado de seu amado. Podiam conversar, pois agora ele já era capaz de ouvi-la. A rosa contava sobre as plantas anteriores, o dia a dia no jardim, os insetos que mais gostava de interagir e aqueles que tinha nojo. Tornado interagia sem a encarar, concentrado em seu serviço. Às vezes era sim, outras não e muitos hmmm.

Todas as outras flores comentavam o quanto Rosilda era sortuda por dividir seu espaço com um girassol tão lindo e trabalhador. Falavam tanto, que nossa protagonista se convenceu disso. Esperava ansiosa os curtos momentos que poderia trocar palavras com seu, agora namorado! Não se importava de a noite chegar e ele ir direto dormir, sem nem lhe dar um beijo de boa noite ou umas três palavras a mais, como fazia com seus amigos. A rosa não se importava nem mais com sua saúde, vivia a tentar esticar o caule para conseguir acariciar as pétalas douradas de seu amor.

Numa noite não aguentou e chorou. Derramou tanta lágrima e soluçou tanto que não deixou seu companheiro dormir. Fez biquinho quando ele a encarou, estava tão fofa apesar dos olhinhos marejados... Tornado quis saber o problema. Ela fingiu estar tudo bem. Ele insistiu. Ela cedeu. Queria era poder abraçar e beijar a flor que gostava, mas nunca conseguia. Não sou boa suficiente? Ah, pobre rosa insegura...

O girassol, ainda meio sonolento e um pouco enfezado, disse que gostava da pequena, mas que seus espinhos eram assustadores demais para ele. Voltou a cochilar antes de ver o sorriso que a vizinha deu. Ele me ama! O único contratempo são esses espinhos bobos. Rosilda se perdeu nos pensamentos: Se ele nunca teve espinho, essas minhas defesas podem machucá-lo facilmente, pois seu caule está nu. Talvez... talvez se eu... se eu... bem, não preciso mais dos espinhos. Sempre que precisar terei o Tornado para me ajudar e proteger.

Acho que a madrugada nunca foi tão longa nesse jardim. A pequenina colocou uma pedrinha na boca e mordeu com força. Com todo seu esforço foi puxando um a um de seus espinhos. Não gritou, embora seus olhos parecessem uma cachoeira. Anos de cuidado e carinho sendo atirados ao chão como horríveis parasitas. Havia dor e seiva, mas mais forte era a felicidade da rosa em pensar que sua história de amor finalmente teria os momentos felizes que tanto sonhara.

O sol apareceu no horizonte. A pedra tocou o chão. Seus galhos estavam todos esburacados. Seu rosto sorria, admirando as costas de seu girassol que acabara de iniciar o turno de vigia. Exausta, mas orgulhosa, ficou assim sem nem perceber que um grupo de estudantes a caminho da escola se aproximava. Rosilda se esticou ao máximo possível, enfim poderia abraçar Tornado. Mas não conseguiu.

Seu amor não ouviu seus gritos clamando por ajuda. Ela era tão pequena, ele tão alto. Quando o menino de boné com uniforme agarrou a rosa e a puxou: resistir, gritar, nada adiantou. O girassol continuava a lhe dar as costas. Rosilda não aguentou muito tempo de tamanha tortura, passou da mão desengonçada do menino para a de uma jovenzinha surpresa e envergonhada. As últimas palavras que ouviu foram: “Uma rosa para a flor mais bela do mundo!”.

Mayara Bassanelli

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