Dia 28/03 foi aniversário de uma amiga querida e super apaixonada pelo Álvaro ❤️ Sem saber, ela acabou me inspirando para este post (e muitos outros 😉).
Quem não gosta de comemorar o aniversário??? Ganhar presentes, reunir os amigos e familiares, ser paparicado o dia todo... 😍
Esta pode ser uma realidade para muitas pessoas, contudo há aquelas que não são tão afeitas às comemorações. Minha avó, por exemplo, detesta festejar seu aniversário, pois isso só indica que a cada ano está ficando mais velhinha 😅
A verdade é que o tempo não tem dó de ninguém e, no nosso aniversário, vai riscando mais um ano de vida. Impossível não aproveitar o dia para fazer uma autoavaliação (sou só eu ou vocês também pensam em todas suas conquistas, os sonhos que não foram realizados e os objetivos que ainda queremos alcançar?).
> Filosofando um pouco sobre o significado desta data, trouxe para vocês o poema "Aniversário", de Álvaro de Campos. O que será que ele pensa deste dia?
Aniversário
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos, Eu era feliz e ninguém estava morto. Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos, E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer. No tempo em que festejavam o dia dos meus anos, Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma, De ser inteligente para entre a família, E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim. Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças. Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida. Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo, O que fui de coração e parentesco. O que fui de serões de meia-província, O que fui de amarem-me e eu ser menino, O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui... A que distância!... (Nem o acho...) O tempo em que festejavam o dia dos meus anos! O que eu sou hoje é como a humidade no corredor do fim da casa, Pondo grelado nas paredes... O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas), O que eu sou hoje é terem vendido a casa, É terem morrido todos, É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio... No tempo em que festejavam o dia dos meus anos... Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo! Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez, Por uma viagem metafísica e carnal, Com uma dualidade de eu para mim... Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes! Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui... A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais copos, O aparador com muitas coisas — doces, frutas o resto na sombra debaixo do alçado —, As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa, No tempo em que festejavam o dia dos meus anos... Pára, meu coração! Não penses! Deixa o pensar na cabeça! Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus! Hoje já não faço anos. Duro. Somam-se-me dias. Serei velho quando o for. Mais nada. Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!... O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...
- Álvaro de Campos
|
Vocabulário:
grelado: que começou a grelar ou germinar.
metafísica: "o que está para além da física"
algibeira: pequeno saco ou bolso numa peça do vestuário; bolso.
Interpretando o Texto:
metafísica: "o que está para além da física"
algibeira: pequeno saco ou bolso numa peça do vestuário; bolso.
Interpretando o Texto:
Álvaro de Campos é conhecido por retratar a felicidade como uma constante na infância de seu eu lírico, em oposição às desilusões enfrentadas na vida adulta. Em "Aniversário", esta realidade fica evidenciada a cada novo verso.
O eu lírico analisa seu presente em função do passado, "No tempo em que festejavam o dia dos meus anos, / Eu era feliz e ninguém estava morto". Com saudosismo recorda a época de criança, em que a alegria estava certa. Havia inocência, era valorizado pelos familiares e não tinha conhecimento das expectativas que cultivavam em seu nome, em contraste à infelicidade atual, às incertezas e pressões advindas do passar do tempo.
Podemos notar, também, o antagonismo entre fui e sou na 3ª e 4ª estrofes do poema, respectivamente. Há nelas a iteração de termos que cadencia o poema e contribui para a intensificação da angústia do eu lírico. Em "[...] o que só hoje sei que fui...", revê toda sua felicidade enquanto menino, da qual só teve consciência, infelizmente, muitos anos depois. Entretanto, já era tarde, "Quando vim olhar para a vida, perdera o sentido da vida".
O eu lírico analisa seu presente em função do passado, "No tempo em que festejavam o dia dos meus anos, / Eu era feliz e ninguém estava morto". Com saudosismo recorda a época de criança, em que a alegria estava certa. Havia inocência, era valorizado pelos familiares e não tinha conhecimento das expectativas que cultivavam em seu nome, em contraste à infelicidade atual, às incertezas e pressões advindas do passar do tempo.
Podemos notar, também, o antagonismo entre fui e sou na 3ª e 4ª estrofes do poema, respectivamente. Há nelas a iteração de termos que cadencia o poema e contribui para a intensificação da angústia do eu lírico. Em "[...] o que só hoje sei que fui...", revê toda sua felicidade enquanto menino, da qual só teve consciência, infelizmente, muitos anos depois. Entretanto, já era tarde, "Quando vim olhar para a vida, perdera o sentido da vida".
A repetição de "No tempo em que festejavam o dia dos meus anos", funciona como um lembrete de sua efetiva insignificância. Agora não vive mais, apenas sobrevive apagado (arrasta-se à passagem do tempo), contraste à alegria dos dias em que ainda celebravam seu aniversário.
A ideia da "[...] humidade no corredor do fim da casa, / Pondo grelado nas paredes...", reflete sua tentativa frustada de reviver o passado. Para ele, aquele amor, aquela atenção que lhe davam, era primordial para sua existência, por isso traz urgência no verso: "Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!".
Na 6ª estrofe são apresentadas imagens das épocas festivas, onde a família se reunia "[...] e tudo era por minha causa". Percebe-se, então, a falta que sente de ser considerado importante para alguém, reflexo de sua atual solidão.
Na 6ª estrofe são apresentadas imagens das épocas festivas, onde a família se reunia "[...] e tudo era por minha causa". Percebe-se, então, a falta que sente de ser considerado importante para alguém, reflexo de sua atual solidão.
O poema se encerra com o eu lírico ordenando ao coração que não penses, pois continuar a racionalizar sobre sua situação lhe causa muito sofrimento. Chega a interpelar Deus diante de sua realidade: "Hoje já não faço anos. / Duro. / Somam-se-me dias.". Agora não é feliz, não tem motivos para comemorar aniversários; apenas envelhece e nada mais.
Seu presente permanecerá imutável, uma vez que "O que sou hoje é terem vendido a casa / É terem morrido todos". O que lhe resta é declarar guerra a si mesmo e, aqui, Álvaro se mostra novamente como o homem das emoções vociferadas ao papel: "Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!..."; raiva de não poder ser mais aquele jovem do "[...] tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...";
Seu presente permanecerá imutável, uma vez que "O que sou hoje é terem vendido a casa / É terem morrido todos". O que lhe resta é declarar guerra a si mesmo e, aqui, Álvaro se mostra novamente como o homem das emoções vociferadas ao papel: "Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!..."; raiva de não poder ser mais aquele jovem do "[...] tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...";
>>> Gostaram do poema? E vocês, costumam festejar o aniversário? Compartilhem conosco suas histórias 😊

Álvaro de Campos nasceu em Tavira, Portugal, no dia 15 de outubro de 1890. Foi mandado para a Escócia a fim de estudar engenharia mecânica e naval (por Glasgow). Aprendeu latim com um tio padre e morou a maior parte de sua vida em Lisboa. Escreveu o Opiário durante sua viagem ao Oriente. Suas obras são fruto de pura inspiração, surgem de um súbito impulso para escrever, sem saber bem o quê. Compôs as duas famosas odes: Ode Triunfal e Ode Marítima.
*Definições das palavras do vocabulário retiradas da Infopédia (Dicionários Porto Editora), do Dicionário Online de Português e do site Significados.
0 Comentários