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Conhecendo "O Amor Bate na Porta/Aorta", de Carlos Drummond de Andrade

O Amor Bate na Porta


Cantiga de amor sem eira
nem beira,
vira o mundo de cabeça
para baixo,
suspende a saia das mulheres,
tira os óculos dos homens,
o amor, seja como for,
é o amor.

Meu bem, não chores,
hoje tem filme do Carlito!

O amor bate na porta
o amor bate na aorta,
fui abrir e me constipei.
Cardíaco e melancólico,
o amor ronca na horta
entre pés de laranjeira
entre uvas meio verdes
e desejos já maduros.

Entre uvas meio verdes,
meu amor, não te atormentes.
Certos ácidos adoçam
a boca murcha dos velhos
e quando os dentes não mordem
e quando os braços não prendem
o amor faz uma cócega
o amor desenha uma curva
propõe uma geometria.

Amor é bicho instruído.
Olha: o amor pulou o muro
o amor subiu na árvore
em tempo de se estrepar
Pronto, o amor se estrepou.
Daqui estou vendo o sangue
que escorre do corpo andrógino.
Essa ferida, meu bem,
às vezes não sara nunca,
às vezes sara amanhã.

Daqui estou vendo o amor
irritado, desapontado,
mas também vejo outras coisas:
vejo corpos, vejo almas
vejo beijos que se beijam
ouço mãos que se conversam
e que viajam sem mapa.
Vejo muitas outras coisas
que não ouso compreender…
- Carlos Drummond de Andrade


Vocabulário:
Carlito: apelido do famoso artista Charles Chaplin
aorta: artéria mais longa do corpo e a de maior diâmetro, que nasce na base do ventrículo esquerdo do coração e que é o tronco comum das artérias que levam o sangue oxigenado a todas as partes do corpo.
andrógino: que ou aquele que possui características, peculiaridades, ações, condutas que oscilam entre o masculino e o feminino ou que apresentam qualidades perceptíveis e presentes no sexo oposto.


Interpretando o Texto:    

Primeira Estrofe: "Cantiga de amor sem eira/ nem beira" - eu lírico trata de um amor simples, que "vira o mundo de cabeça / para baixo", causa possível espanto, causa alguma reação, visto que isto é amor.

Segunda Estrofe: o amor pode provocar lágrimas, então há uma quebra do poema, para o eu lírico consolar o seu "Meu bem", afirmando que hoje tem filme do irreverente Charles Chaplin.

Terceira Estrofe: o eu lírico segue dialogando sobre o amor como algo viral, que todo mundo tem ("fui abrir e me constipei"). Pode acontecer a qualquer hora, ficar adormecido durante anos (ronca na horta) ou se manifestar por meio de desejos (já maduros).

Quarta Estrofe: "Certos ácidos adoçam" - o amor tanto pode ser bom quanto ruim, contudo, mesmo machucando, pode representar uma esperança para uma vida sem muitas possibilidades.

Quinta Estrofe: eu lírico chama a atenção ("Olha") para as traições, que podem acabar com um amor. Essa ferida "às vezes não sara nunca / às vezes sara amanhã".

Sexta Estrofe: amor torna-se agora um ser visível, palpável, o qual ele vê irritado, desapontado (pode ser pela diferença entre o amor idealizado e o vivido). Eu lírico vê diferentes formas de amor: carnal, espiritual e outras que não ousa compreender, afinal "o amor, seja como for, / é o amor".



Ficha Técnica:
Total de estrofes: 6 (1 oitava, 1 dístico, 1 oitava, 1 nona, 1 décima, 1 nona)





Carlos Drummond de Andrade foi um dos grandes escritores do período do modernismo brasileiro. Nasceu em 31 de outubro de 1902, em Itabira do Mato Dentro (interior de Minas Gerais). Publicou seus primeiros trabalhos no Diário de Minas, em 1921. Apesar de ter se formado em Farmácia na Escola de Odontologia e Farmácia de Belo Horizonte, não exerceu a profissão, trabalhando como professor no Ginásio Sul-Americano de Itabira. Seu primeiro livro "Alguma Poesia" foi publicado em 1930, sendo precursor da chamada "poesia de 30". Drummond faleceu no Rio de Janeiro, no dia 17 de agosto de 1987.



*Definições das palavras do vocabulário retiradas da Infopédia (Dicionários Porto Editora) e do Dicionário Online de Português.

O Amor Bate na Aorta. Disponível em: <http://carlos-drummond-de-andrade.lyrics.com.br/letras/1854060/>

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