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Conhecendo "Dobrada à Moda do Porto", de Álvaro de Campos

Dobrada à Moda do Porto


Um dia, num restaurante, fora do espaço e do tempo,
Serviram-me o amor como dobrada fria.
Disse delicadamente ao missionário da cozinha
Que a preferia quente,
Que a dobrada (e era à moda do Porto) nunca se come fria.
Impacientaram-se comigo.
Nunca se pode ter razão, nem num restaurante.
Não comi, não pedi outra coisa, paguei a conta,
E vim passear para toda a rua.
Quem sabe o que isto quer dizer?
Eu não sei, e foi comigo...
(Sei muito bem que na infância de toda a gente houve um jardim,
Particular ou público, ou do vizinho.
Sei muito bem que brincarmos era o dono dele.
E que a tristeza é de hoje).
Sei isso muitas vezes,
Mas, se eu pedi amor, porque é que me trouxeram
Dobrada à moda do Porto fria?
Não é prato que se possa comer frio,
Mas trouxeram-mo frio.
Não me queixei, mas estava frio,
Nunca se pode comer frio, mas veio frio.
- Álvaro de Campos


Vocabulário:
dobrada: iguaria cozinhada com vísceras de boi; dobradinha, tripas. 


Interpretando o Texto:    
Primeira Estrofe: "Serviram-me o amor como dobrada fria" - comida usada como metáfora de um relacionamento sem afeto, um amor sem retribuição, unilateral pelo qual o eu lírico passou, mesmo não sendo sua culpa.
"(e era à moda do Porto)" - mostra uma certa inconformação do eu lírico, uma vez que o povo português é considerado muito hospitaleiro (quente, sentimental).

Segunda Estrofe: Num restaurante, o ditado diz que o cliente sempre tem razão, mas nesta metáfora, o eu lírico é mal interpretado, de tal forma que não recebe o amor desejado e, mesmo assim, paga o preço por seu infortúnio.

Terceira Estrofe: Eu lírico questiona o significado de ter recebido a dobrada fria; sua incompreensão deriva da decepção (provavelmente não deu motivos para esse amor frio).

Quarta Estrofe: Relembra sua brincadeira de infância, pois é nessa época que foi realmente feliz. "E que a tristeza é de hoje", ou seja, sua vida atual, adulta que é triste.


Quinta Estrofe: E "Sei isso muitas vezes" - reforça que o eu lírico tem consciência da atual infelicidade, mesmo assim, fica inconformado com o fato de dar/procurar/pedir amor e recebê-lo frio (o que se nota pela repetição da afirmação que a dobrada estava fria). Para ele, "Não é prato que se possa comer frio", é incompreensível um relacionamento sem afeto, um amor não ser correspondido.

OBS: dobrada é algo que remete ao interior do ser.


Ficha Técnica:
Total de estrofes: 5 ( 1 quintilha, 1 quadra, 1 dístico, 1 quadra, 1 septilha )
Versos: Livres / brancos





Álvaro de Campos nasceu em Tavira, Portugal, no dia 15 de outubro de 1890. Foi mandado para a Escócia a fim de estudar engenharia mecânica e naval (por Glasgow). Aprendeu latim com um tio padre e morou a maior parte de sua vida em Lisboa. Escreveu o Opiário durante sua viagem ao Oriente. Suas obras são fruto de pura inspiração, surgem de um súbito impulso para escrever, sem saber bem o quê. Compôs as duas famosas odes: Ode Triunfal e Ode Marítima.


*Definição da palavra do vocabulário retirada da Infopédia (Dicionários Porto Editora) e do Dicionário Online de Português.

CAMPOS, Álvaro. Dobrada à Moda do Porto. Disponível em: <http://arquivopessoa.net/textos/2201>

Álvaro de Campos: Dobrada à Moda do Porto. Disponível em: <https://pt.slideshare.net/nanasimao/lvaro-de-campos-dobrada-a-moda-do-porto>

PESSOA, Fernando. Tábua Bibliográfica. Disponível em: <http://arquivopessoa.net/textos/2700>
PESSOA, Fernando. Carta a Adolfo Casais Monteiro. Disponível em:<http://arquivopessoa.net/textos/3007>

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