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Conhecendo " A Ti ", de Soares de Passos


      A Ti


Oh! quão formoso me surge o dia
Lá quando a noite se inclina ao mar,
Quando na aurora que me extasia ,
Teu belo rosto cuido avistar!
Não sei que esp'rança jamais sentida
Então me adeja no peito aqui;
E que na aurora saúdo a vida,
Outrora escura, sem luz, sem ti.

Correm as horas, a noite avança,
A lua brilha com meigo alvor ;
Então minha alma, que em paz descansa
Divaga em sonhos d' ignoto amor.
No véu d'estrelas, na branca lua
Meus olhos buscam olhos que eu vi,
E o pensamento longe flutua,
E uma saudade revoa a ti.

Eis que adormeço, e um anjo assoma
Todo cercado d'etérea luz;
De seus cabelos recende o aroma
Das castas rosas que o céu produz.
O céu me aponta, sorri-lhe a face;
Acordo, e o anjo foge dali;
Mas em meu peito logo renasce
Doce esperança que vem de ti.

Já pela terra surgem verdores ,
Auras serenas baixam do céu,
As aves cantam novos amores,
Tudo se cobre dum glóreo véu;
E céus c terra, montes, paisagem,
Tudo a meus olhos, tudo sorri;
É que ali vejo só Lua imagem,
É que hoje vivo, mas só por ti.

Talvez que eu sinta meu pobre enleio
Passar qual brilho de luz fugaz :
Que importa? ao menos dentro em meu seio,
Já morta a esperança, tu viverás.
Oh! sim, que os dias são mais serenos
Com tua imagem gravada ali;
Té mesmo a morte custará menos,
Junto ao sepulcro pensando em ti.

- Soares de Passos
Vocabulário*:

extasiar: causar ou manifestar admiração profunda; maravilhar(-se)
adejar: pairar, voar
alvor: claridade, brilho
divagar: caminhar sem rumo
ignoto: desconhecido
assomar: aparecer
recender: exalar
verdores: vegetação; verde; força
enleio: confissão; atar
fugaz: rápido, veloz





Interpretando o Texto:


Primeira Estrofe: O eu lírico demonstra gostar de alguém, o qual "Teu belo rosto cuido avistar!" assim que o dia inicia. Esse sentimento lhe dá uma "esp'rança jamais sentida" e o faz celebrar a vida, a qual sempre fora sofrida e sem perspectivas antes do amor - "E que na aurora saúdo a vida, / Outrora escura, sem luz, sem ti."

Segunda Estrofe: O eu lírico, tomado por seus sentimentos, sonha acordado com o desconhecido amor (aqui pode haver referência a um amor não vivido na vida real, por isso desconhecido, ou ao fato desse ser o primeiro amor e tudo parecer novo). Vale notar que "Correm as horas", uma vez que viver deixou um pouco de ser tão doloroso devido sua amada, a qual seus pensamentos e sua saudade pertencem - "E uma saudade revoa a ti."

Terceira Estrofe: "Eis que adormeço, e um anjo assoma / Todo cercado d'etérea luz" - Ao dormir o eu lírico se afasta da vida real. Sua leveza de espírito, devido ao amor, o aproxima do celeste, representado pelo anjo, de um mundo de alegrias e júbilos. Ao acordar "o anjo foge dali", pois há o retorno do eu lírico para sua realidade imperfeita e, contraditoriamente, embora isso ocorra, renasce "doce esperança que vem de ti".

Quarta Estrofe: Uma vez que o amor toma conta do ser do eu lírico - "Tudo a meus olhos, tudo sorri" - os problemas de seu mundo ficam em segundo plano e só é capaz de enxergar prosperidade e beleza (como as pessoas apaixonados normalmente fazem). Esta estrofe conclui com o verso "É que hoje vivo, mas só por ti.", que gera reflexão sobre a perspectiva do eu lírico sobre sua vida antes do amor, como se agora ele finalmente vivesse. Porém é uma vida em função de sua amada.

Quinta Estrofe: Eu lírico afirma que, mesmo com seus infortúnios e o fim de sua esperança em viver (decorrente de sua iminente morte), "tu viverás", pois sua amada está gravada em sua lembrança. A devoção ao amor (como afirmou Luciene**), apresenta-se como tema do poema e pode ser ilustrado pelos dois últimos versos dessa estrofe - "Té mesmo a morte custará menos, / Junto ao sepulcro pensando em ti.", onde nem a morte lhe será tão dolorosa, já que possui "A Ti".



Ficha Técnica:
Total de estrofes: 5
Versos por estrofe: 8
Sequência de rimas: ABAB CDCD





António Augusto Soares de Passos (27.11.1826 / 08.02.1860 -Porto) foi um dos grandes representantes do Ultrarromantismo português. De família burguesa liberal, graduou-se em direito pela Universidade de Coimbra e, ao longo do curso, colaborou na fundação da revista "Novo Trovador". Seu único livro, intitulado "Poesias", foi publicado em 1856. Soares de Passos faleceu prematuramente, devido à tuberculose precoce. Sua angustia pela morte iminente era um tema recorrente em seus poemas, assim como a idealização do amor.




*Definições das palavras do vocabulário foram retiradas diretamente do Google 

Soares de Passos. Disponível em: <www.spectrumgothic.com.br

Biografia - Soares de Passos. Disponível em: <www.escritas.org

PASSOS, Soares de. Poesias. Digital Source: 1858. DOC. Disponível em: <blogdocafil.files.wordpress.com

**PAVANELO, Luciene Marie. Soares de Passos, Álvares de Azevedo e as diversas faces do ultra-romantismo. Revista Crioula, n°5: Maio de 2009. PDF.  Disponível em: <www.revistas.usp.br>

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